Eu estava na Rádio Metrópole na hora em que a cantora Daniela Mercury fez a declaração que gerou alguma (não muita) polêmica, sobre o momento atual do pagode baiano. “(...) Mas não dá pra ficar nos absurdos que acontecem, como é essa banda A Bronkka. Essa coisa de ficar sempre no ‘rala o pinto’, no ‘lobo mau’ e achar que isso vai ser o hit do verão, isso é desnecessário. Me desculpem, mas vocês precisam estudar, viu?!", disse ela. Confesso que só estava ouvindo o programa Roda Baiana com meia orelha e nem lembro de ter escutado a fala acima, que pesquei de uma nota encontrada aqui mesmo no Bahia Notícias. Lembro porém de que, no meio das críticas, onde inclusive a cantora faz uma comparação do pagodão com o gangsta rap norte-americano, Daniela cantou um trecho de ‘Revoluções’, música que gravou com o Grupo Cultural Unidos do Capim, naquele legendário disco que reuniu ‘Os Melhores Sambas de São João da Bahia’, e tem ainda, entre os cantores, Ninha (no Leva Eu) e Tatau (Samba Scorpios). A música que Daniela canta ficou super conhecida e seu refrão foi reaproveitado mais tarde pela Banda Reflexus: “Quem planta amor vai colher felicidade, cidade ê, cidade. / E cante a paz em cada canto da cidade, cidade ê, cidade. / É sal, é sol, é som, é cor, é salvador / É paz, é dom, é liberdade e muito amor”. Para responder à crítica, o vocalista d’A Bronkka, Igor Kanário, usou o Twitter: “A bronkka (sic) é de deus e do povo e com deus ninguém pode, muito menos duas reis (sic) mortais. Eu não tô nem ai pro que Margarete (sic) e Daniela andão (sic) falando de mim. Foda-se isso é sinal que estamos encomodando (sic) rsrsr adoro encomodar (sic)". Logo depois, talvez instruído por alguém, o Príncipe do Gueto botou panos (em 144 caracteres) quentes: "Gostaria de pedir desculpa pela minha frase anterior foi apenas um momento de revolta, Daniela e Margareth desculpem". Porém, em um show na semana passada, o Kanário colocou novamente as asinhas para fora e esculhambou outra vez a Rainha do Axé: "Como dizia a Dercy Gonçalves, Daniela Mercury tem que se f****, rapaz! Eu me chamo Igor Kanário, o príncipe do gueto!", gritou. Pronto. Fofocas feitas, eis o que eu quero dizer sobre a crise na côrte: por falar em estudar, o caso merece estudo sim, por envolver aspectos que extrapolam a mera esfera do show bizz musical local.

Antes, uma ressalva: não sou fã de Daniela Mercury, bem ao contrário. Embora reconheça nela algum talento, acho que o que a estraga é justamente aquela vontade de parecer inteligente que não ultrapassa um típico Intelectualismo Classe C cheio de pose, mais ou menos como a chatíssima Fernanda Young. À boca pequena, muita gente costuma se referir à Rainha do Axé como Chatiela (!), inclusive alguns fãs. E eu também tendo a achá-la uma chata. Gosto de música de carnaval no carnaval. Gosto de Ivete por ela ser, a meu ver, a anti-Chatiela: espontaneidade + saúde + talento = inteligência. Só que aplaudi entusiasmado quando, em 2005, a Mercury colocou o Ricardo Castro em cima do trio elétrico e atacou de Villa Lobos no circuito. Àquela altura a Axé Music completava 20 anos e demonstrava maturidade fazendo a multidão abdicar da dança por alguns minutos e curtir outro som e outra forma de festa que era ainda, no entanto, carnaval. Mais ou menos como o público deitado em Woodstok: rock para ouvir. Mas teve gente que não gostou. Alguns ensaiaram uma vaia. Eu aplaudi. Enfim, eis o que quero dizer: como nesse caso do piano, estou com Daniela na bronca que deu n’A Bronkka. Até porque, nem me pareceu uma verdadeira bronca. Pelo tom do que ouvi, era mais uma profissão de fé no talento da moçada, infelizmente desperdiçado pela obsessão do sucesso chocante. Aliás, por falar de novo em estudo, lembro o que me ensinou o professor Germano Machado: “Professor é aquele que professa, ou seja, crê nas qualidades”. Daniela, ao cantar a música do Unidos do Capim e colocá-la como paradigma de qualidade no bolo de uma crítica aos pagodeiros, demonstra crença na capacidade dos tantos Igor Kanários que povoam o viveiro da cidade. Ademais, as mesmas críticas que ela fez à banda de pagode eu faria a toda a música de carnaval da Bahia: Bell do Chiclete também precisa estudar. Que fique claro: estudar a história do nosso carnaval, da Bahia e rever a própria trajetória. Não estou dizendo que os meninos d’A Bronkka ou da Black Style precisam estudar piano com o Ricardo Castro, nem parece ter sido isso o que a Daniela disse, apenas que as possibilidades da nossa música e da nossa vida baiana extrapolam a esfera sexista-turística-bélica-litorânea em que tudo parece estar condenado a cair nos guetos do principado ultimamente. E o que prova isso é a já tricitada canção do Unidos do Capim, são os sambas juninos, são as músicas do Ilê Aiyê, compostas por pessoas do mesmo bairro de Igor Kanário - a Liberdade. Na verdade, Igor Kanário precisa e deve estudar porque ele ainda tem jeito, é jovem e está na fase da missão. Os outros, inclusive Daniela Mercury e o prefeito João Henrique, estão mais perto da demissão. Embora, pelo modo como escreveu no Twitter, o Kanário esteja também precisando se inscrever no Topa ou no Mobral.
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